Burnin'
Voltei. O período de descompressão é estranho. Tive de ir levantar dinheiro. Pagar o pequeno almoço e a lavagem do carro. Dezenas de mexicanos encontram ali o trabalho americano prometido. Chineses tratam da gestão. Mas não deixa de ser uma bomba da Shell. Caminho pelas ruas ainda pouco movimentadas de uma segunda feira feriado e ainda fim de semana enquanto faço um balanço do que se passou.
Partimos domingo sem pressas. Ainda tempo para parar em Reno e comer algo rápido num dos muitos casinos. Seguimos viagem por estradas desertas, de acordo com as indicações fornecidas. No deserto vai-se criando uma caravana. Muita tralha. Muitas bicicletas atreladas. Muita expectativa. Sintonizamos uma rádio interna da cidade que nos iria acolher. Entre músicas bem escolhidas passam jingles como: "Please keep your filthy capitalism outside." ou "If your walking across the playa at night without lights you’ll get run over. Actually, if you do that, you deserve to be run over. Run over and killed!”. Encontrado o nosso espaço no cruzamento das ruas 3:00 e Anxious, acampamos. Passeamos pela playa, espaço vasto de pó seco quebrado pelo calor em largos paralelipípedos. Olhando para o céu, o número de estrelas é imenso.
Adormeço para acordar poucas horas depois com o calor do Sol e uma voz ao megafone: “Johnny Cash is dead! Deal with it!”. Eram 9 horas e Black Rock City recebia-nos ventosa. Os primeiros dois dias foram passados a conhecer o grupo que nos recebia e a trabalhar para levantar o espaço onde passaríamos a semana. Um enorme paraquedas disposto em círculo sobre uma estrutura de aço, que nos protegia do Sol e servia de tecto para um bar e cabine de DJ. Era assim o Klepto Camp. Festas. Bar aberto e música. Essa era a nossa contribuição para a comunidade que é o Burning Man. Cansados, fomos surpreendidos por uma tempestade de areia na tarde de 3ª feira. Durante 10 minutos tivemos que tapar nariz e boca com roupa para conseguir respirar e entreabrindo os olhos apenas víamos os vultos das pessoas mais próximas de nós. Depois tudo passou. Desde esse dia o Sol brilhou e apenas fluiu uma aragem agradável. Ideal para o jogo de futebol que se seguiu. No deserto, uma bola fora é sinónimo de 400 metros estafetas. Sabia bem criar uma rotina num sítio assim. Aos poucos ela foi-se instalando. Banho de manhã, correndo atrás dos jactos de água projectados por um carro cujo objectivo é manter o pó junto ao chão. Secar ao Sol e caminhar pela playa até ao acampamento que fazia panquecas em larga escala para quem por lá passa. Logo atrás, faziam café expresso. Caminhando até ao acampamento central podia-se saltar de trampolim, absolver os nossos pecados com Bloody Marys ou arranjar máscaras para a festa dessa noite numa qualquer boutique local. No acampamento central, local social do festival faz-se yoga e teatro mudo na praça central, enquanto uma banda indiana toca cítara e tablas num palco. No lado oposto gritam-se poemas de intervenção. Há também um café e atrás vende-se gelo. Aqui, o gelo e o café têm de ser comprados porque, segundo a organização, não conseguiam comportar os custos. De volta ao nosso acampamento construímos um chuveiro. Com bomba de pressão e tudo. Foi o nosso luxo no deserto. Isso, e os banhos turcos de fim da tarde, à disposição num acampamento a um quarteirão de distância. Com o aproximar da noite, a temperatura baixa e atrevemo-nos a passear pela vastidão da playa. Por lá espalham-se obras de arte que encontram no deserto a sua galeria. É a exposição dessas obras que esteve na origem do festival. No centro dessas obras está uma estátua de madeira que representa o Homem. É ele que está destinado a arder na noite de sábado, rodeado por fogo de artifício, malabaristas de chamas, rodas de djambés, brass bands e um colectivo que marcha erguendo cartazes onde se lê: “Save the Man”, “He’s innocent”, “Make bunnies not wars”. As noites eram passadas entre as festas que nós promovíamos e os outros acampamentos, entre bares abertos e música. Uma estrutura de madeira, em forma de ninho, distante das tendas, albergava a maior discoteca da zona com design e DJ belgas. A semana passou e eis que chega a noite de sábado. Gosto da simbologia de uma comunidade cujo elemento de adoração não é de carácter religioso ou político, mas sim o Homem. Em toda a sua liberdade e criatividade, fraternidade e euforia. E concordo que um símbolo estático não tem a força que tem um ideal se tornar chama que se torna fumo e se eleva na noite. Houve festa e dança, e a minha lembrança deslocou-se até à Quinta da Atalaia… Já não poderei dizer “Não há festa como esta!” mas prefiro dançar a Carvalhesa a qualquer música que ouvi por Black Rock City.
Partimos domingo sem pressas. Ainda tempo para parar em Reno e comer algo rápido num dos muitos casinos. Seguimos viagem por estradas desertas, de acordo com as indicações fornecidas. No deserto vai-se criando uma caravana. Muita tralha. Muitas bicicletas atreladas. Muita expectativa. Sintonizamos uma rádio interna da cidade que nos iria acolher. Entre músicas bem escolhidas passam jingles como: "Please keep your filthy capitalism outside." ou "If your walking across the playa at night without lights you’ll get run over. Actually, if you do that, you deserve to be run over. Run over and killed!”. Encontrado o nosso espaço no cruzamento das ruas 3:00 e Anxious, acampamos. Passeamos pela playa, espaço vasto de pó seco quebrado pelo calor em largos paralelipípedos. Olhando para o céu, o número de estrelas é imenso.
Adormeço para acordar poucas horas depois com o calor do Sol e uma voz ao megafone: “Johnny Cash is dead! Deal with it!”. Eram 9 horas e Black Rock City recebia-nos ventosa. Os primeiros dois dias foram passados a conhecer o grupo que nos recebia e a trabalhar para levantar o espaço onde passaríamos a semana. Um enorme paraquedas disposto em círculo sobre uma estrutura de aço, que nos protegia do Sol e servia de tecto para um bar e cabine de DJ. Era assim o Klepto Camp. Festas. Bar aberto e música. Essa era a nossa contribuição para a comunidade que é o Burning Man. Cansados, fomos surpreendidos por uma tempestade de areia na tarde de 3ª feira. Durante 10 minutos tivemos que tapar nariz e boca com roupa para conseguir respirar e entreabrindo os olhos apenas víamos os vultos das pessoas mais próximas de nós. Depois tudo passou. Desde esse dia o Sol brilhou e apenas fluiu uma aragem agradável. Ideal para o jogo de futebol que se seguiu. No deserto, uma bola fora é sinónimo de 400 metros estafetas. Sabia bem criar uma rotina num sítio assim. Aos poucos ela foi-se instalando. Banho de manhã, correndo atrás dos jactos de água projectados por um carro cujo objectivo é manter o pó junto ao chão. Secar ao Sol e caminhar pela playa até ao acampamento que fazia panquecas em larga escala para quem por lá passa. Logo atrás, faziam café expresso. Caminhando até ao acampamento central podia-se saltar de trampolim, absolver os nossos pecados com Bloody Marys ou arranjar máscaras para a festa dessa noite numa qualquer boutique local. No acampamento central, local social do festival faz-se yoga e teatro mudo na praça central, enquanto uma banda indiana toca cítara e tablas num palco. No lado oposto gritam-se poemas de intervenção. Há também um café e atrás vende-se gelo. Aqui, o gelo e o café têm de ser comprados porque, segundo a organização, não conseguiam comportar os custos. De volta ao nosso acampamento construímos um chuveiro. Com bomba de pressão e tudo. Foi o nosso luxo no deserto. Isso, e os banhos turcos de fim da tarde, à disposição num acampamento a um quarteirão de distância. Com o aproximar da noite, a temperatura baixa e atrevemo-nos a passear pela vastidão da playa. Por lá espalham-se obras de arte que encontram no deserto a sua galeria. É a exposição dessas obras que esteve na origem do festival. No centro dessas obras está uma estátua de madeira que representa o Homem. É ele que está destinado a arder na noite de sábado, rodeado por fogo de artifício, malabaristas de chamas, rodas de djambés, brass bands e um colectivo que marcha erguendo cartazes onde se lê: “Save the Man”, “He’s innocent”, “Make bunnies not wars”. As noites eram passadas entre as festas que nós promovíamos e os outros acampamentos, entre bares abertos e música. Uma estrutura de madeira, em forma de ninho, distante das tendas, albergava a maior discoteca da zona com design e DJ belgas. A semana passou e eis que chega a noite de sábado. Gosto da simbologia de uma comunidade cujo elemento de adoração não é de carácter religioso ou político, mas sim o Homem. Em toda a sua liberdade e criatividade, fraternidade e euforia. E concordo que um símbolo estático não tem a força que tem um ideal se tornar chama que se torna fumo e se eleva na noite. Houve festa e dança, e a minha lembrança deslocou-se até à Quinta da Atalaia… Já não poderei dizer “Não há festa como esta!” mas prefiro dançar a Carvalhesa a qualquer música que ouvi por Black Rock City.
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